Reflexões acerca do pensamento de Darcy Ribeiro sobre a multilinearidade do processo histórico geral do desenvolvimento humano e a particularidade do movimento socialista brasileiro:

Nelson
4 min readApr 30, 2024

Por: Daniel Albuquerque

A ideia do desenvolvimento de um tipo de aplicação do socialismo, particular do Brasil, não é novidade dos tempos atuais. Ainda assim, existem muitas dúvidas e confusões feitas quanto ao tema no debate público. Mas afinal, o que é o trabalhismo brasileiro e o que este almeja?
Para responder a essa pergunta, se faz necessário que façamos uma breve reflexão filosófica sobre a multilinearidade do processo histórico geral do desenvolvimento humano, como apontado por Darcy Ribeiro, e suas implicações na realidade do desenvolvimento do movimento socialista brasileiro.

Em seu livro de título “O processo civilizatório”, Darcy Ribeiro, entre muitas inovações em seu criativo pensamento, nos traz o conceito de que o desenvolvimento das sociedades e civilizações, embora detenha padrões e mantenha a noção de linearidade, não está restrito a uma única linha, ou seja, a uma única possibilidade de desenvolvimento. Pelo contrário, Darcy aborda que, apesar de evolutivo, tal processo se dá sob uma perspectiva multilinear.

Embora possa parecer algo abstrato, isso nos traz implicações práticas bem importantes e se trata de um fenômeno observável na realidade, não é por acaso que tal pensamento veio de um intelectual radical do sul global. Ao estudar o desenvolvimento das civilizações, sociedades e economias durante um largo espaço de tempo histórico, até o século XX, Darcy encontrou uma forma de explicar nosso subdesenvolvimento, a acumulação interna de capital nas mãos de uma classe dominante submissa ao imperialismo e, sobretudo, sua relação com a acumulação de capital nos grandes centros do sistema capitalista.

A linha de pensamento de Darcy prima por demonstrar como o subdesenvolvimento da América Latina e do continente africano são resultado direto da opulência, riqueza e “desenvolvimento” das nações europeias que participaram do processo de colonização, como método de acumulação de capital que sustentou as bases do sistema capitalista como o conhecemos, até sua forma atual, de intervenção imperialista e novas políticas neocoloniais.

É necessário compreender disto que, a pobreza e o subdesenvolvimento do terceiro-mundo não são uma contingência, mas uma das condições fundamentais para a ocorrência de tal processo, pela forma como foi organizado e se deu o desenvolvimento das economias de países centrais do capitalismo e do Sistema Internacional. Como exemplo, podemos observar que as grandes inovações tecnológicas da primeira e da segunda revolução industrial necessitaram de um grau de exploração e subdesenvolvimento de um número imenso de países, que supriram os grandes centros de matéria-prima barata, muitas vezes a partir de mão de obra escrava.

Evidentemente, existe uma implicação política em tal processo, no sentido de que os países que participaram desse processo de apropriação se tornaram cada vez mais ricos, poderosos, influentes, e os que estavam abaixo nessa cadeia, eram impedidos de se desenvolver pelo mesmo caminho, desenvolvendo-se por outra linha, atrelada à relação de exploração e apropriação econômica que viviam.

“. Entre os primeiros, recordo agora o gosto que me deu ler as apreciações frequentes, assinalando que O Processo Civilizatório proporcionava, pela primeira vez, um quadro conjunto dos últimos cinco séculos da história, que possibilitava tratar as sociedades avançadas e as atrasadas não como etapas sucessivas da evolução humana, mas como polos interativos de um mesmo sistema socioeconômico tendente a perpetuar suas posições relativas.
O hoje dos povos avançados não é, pois, o nosso amanhã: nós e eles encarnamos posições opostas, mas coetâneas. Esta integração teórica, que nos permitiu fundir, a partir de 1500, nosso esquema evolutivo com nossa reconstituição do processo histórico, tornou-se possível graças ao apelo aos conceitos complementares de aceleração evolutiva e de atualização histórica.”
Darcy Ribeiro, “PREFÁCIO À QUARTA EDIÇÃO VENEZUELANA”, “O Processo Civilizatório”.

Nesse sentido, o desdobramento mais importante de ser observado de tal linha de pensamento é a perspectiva de que o movimento dos trabalhadores também se desenvolve de forma desigual e particular ao redor do globo. Ao contrário do que pensam alguns materialistas vulgares, se o processo de desenvolvimento das sociedades humanas é evolutivo, porém multilinear, isso significa que condições materiais distintas e adversas de organização das sociedades também irão gerar condições materiais adversas e distintas para organização e formulação de movimentos de trabalhadores.

Isso significa dizer que, o desenvolvimento orgânico do movimento dos trabalhadores da Europa, não é uma regra para o desenvolvimento do movimento dos trabalhadores em todo e qualquer local do globo, ainda que existam padrões gerais e que tal recorte ajude a elucidar tais padrões. Para compreender melhor tal ponto, é necessário que façamos uma reflexão sobre Universal e Particular a luz do materialismo histórico e dialético:

A ideia e o conceito de socialismo, são universais, e, portanto, podem ser concebidos por todos. As condições materiais práticas para sua aplicação são, contudo, diferentes e desiguais, daí que a única derivação lógica para tal questão é que a aplicação do conceito de socialismo seja diversa quando posta em prática como experiência em diferentes localidades e períodos históricos, ainda que, todas estas experiências, por mais distintas que sejam, faça parte do mesmo processo de desenvolvimento do socialismo e do movimento dos trabalhadores quando olhamos sob um ponto de vista geral.

Portanto, de forma resumida, o desenvolvimento geral do movimento dos trabalhadores e do socialismo ao redor do globo é, na verdade, a síntese contraditória da aplicação do conceito de socialismo em realidades e épocas particulares ao longo da história.

--

--