Perspectivas para o futuro: O movimento trabalhista brasileiro e a disputa pela memória no centenário da Revolução de 30.

Nelson
4 min readFeb 29, 2024

“O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. ” Walter Benjamin, Teses sobre a história.

O filósofo russo, muitas vezes considerado o fundador do marxismo na Rússia, Plekhanov, tem como um dos pontos mais importante em sua obra o debate que contrapõe dialética e a metafísica, analisando respectivamente a primeira como lógica da transição e a segunda como lógica do que é estático. Como se, de forma mais simplificada ainda, a dialética fosse um filme, e a metafísica uma foto.

Para além de que evidentemente existe uma simplificação “pedagógica” desses conceitos, visto que filosoficamente é aceitável ponderar que Plekhanov escolheu um prisma bastante específico para analisar tais métodos de estruturação lógica do pensamento, também existe uma finalidade política. Isso se mostrar especialmente relevante para a esquerda brasileira entender nesse momento.

Pensamentos que primam pela lógica do que é estático, ou seja, a lógica da continuidade, quando aplicados à política, sempre são benéficos à classe dominante, pois em seu falso racionalismo, escondem justamente a capacidade de ação dos trabalhadores enquanto classe de se organizarem e mudarem as coisas. Seguindo essa mesma linha de raciocínio, não teríamos Petrobras, Eletrobras nem nenhum direito trabalhista no Brasil, pois todas essas “conquistas” foram fruto da atuação ativa da classe trabalhadora. Vânia Bambirra, em sua análise do pensamento de Mao Zedong, resume perfeitamente tal raciocínio, e comentou sobre a lógica e visão de mundo metafísica:

“A concepção metafísica abrange um longo período histórico quer no ocidente como no oriente. É adotada e defendida de um modo geral pelas forças reacionárias que desejam se manter no mundo.” Conceito marxista de mudança social em Mao Tsé-tung, escrito por Vania Bambirra.

O que nos responde a lógica da transformação, a dialética, quanto a isso? Nos responde que quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Ou seja, a força popular e a transformação social devem ser construídas material e teoricamente, e isso só pode ser feito a partir de mobilização e organização da classe trabalhadora e de uma crítica radical do que temos no presente momento, bem como finalmente uma teoria revolucionária para transitar de um presente inglório rumo a um futuro redentor. A lógica da transformação nos ensina que dos escombros do velho, nasce o novo, enquanto o velho ainda não morreu.

Nesse sentido, tal debate sobre a lógica da transformação e a lógica do que é estático, dentre muitas questões, também abrange centralmente o próprio debate sobre filosofia da história. Especialmente na reflexão sobre uma filosofia da história para transformar a realidade social e a própria história. Um grande mestre da Filosofia, na Universidade Federal Fluminense, um dia, disse algo que nunca podemos nos esquecer:

“Ninguém lembra de uma revolução, se ela não encontra lastro na memória popular, se ninguém se lembra, então essa revolução morreu.”

Pensemos nisso, também, sob os ensinamentos da filosofia da história de Walter Benjamin e sua descrição de como opera a dialética da lembrança e do esquecimento operada pela classe dominante. Não devemos morrer de pavor ao pensar no que nosso povo fará em 2030. Devemos trabalhar para contrapor a ideologia paulista, que aspira levar o Brasil de volta para a República Oligárquica, e sermos hegemônicos em interpretar a importância de 1930 em seu centenário. Isso não é trivial, e nem tampouco, deveria ser importante apenas para os Trabalhistas. Sobre isso, nos alertava Walter Benjamin:

“Tese XVI: O materialista histórico não pode renunciar ao conceito de um presente que não é transição, mas para no tempo e se imobiliza. Porque esse conceito define exatamente aquele presente em que ele mesmo escreve a história. O historicista apresenta a imagem “eterna” do passado, o materialista histórico faz desse passado uma experiência única.” Walter Benjamin, Teses sobre a história.

Numa era em que Apolíneos, racionalistas que temem a paixão, em que Narcísicos, liberais de esquerda que só se apaixonam por sua própria imagem, e que Dionisíacos, que são a pura paixão reacionária e caótica do “ser” querendo organicidade, disputam a hegemonia do caos político no globo, demos escolher Kairós, o momento perfeito para se reverter um processo inglório e alcançar a eternidade construindo um novo futuro a partir de um passado que também é presente.

A análise de nossa situação nos leva direto ao problema. A questão de nosso tempo não é que nossa esquerda é “reformista”, mas sim que ela está aquém disso, e não tem capacidade de propor ou sequer vislumbrar um mundo novo, enquanto parece estar presa na fábula de “Fim da história de Fukuyama”. Embora existam críticas e propostas para tal no imaginário da esquerda, institucionalmente ela segue esse dogma a ferro e fogo. Mas e o modelo socialista para o Brasil do século XXI, e o socialismo com características brasileiras?

Como será possível chegar nisso, se a formulação institucional da esquerda brasileira quando chega ao poder na Nova República é obviamente neoliberal e implicitamente reconhece uma vitória do Ocidente e com isso um suposto direito dos países centrais em governar o globo? A esquerda brasileira precisa antes de tudo reencontrar sua essência em uma práxis que é ambígua entre reforma e revolução, a síntese de ambos. Encontramos na história política brasileira isso no brilhante exemplo de Leonel de Moura Brizola, Roberto Silveira, Darcy Ribeiro, Vânia Bambirra, Guerreiro Ramos e tantos outros da história de nossa cultura política.

Devemos assumir publicamente o compromisso de fortalecer e dar base teórica e prática para um movimento Socialista brasileiro que realmente compreenda a importância do centenário, que merece ser comemorado em 2030, com criticidade, e aprendendo também com os equívocos do processo que fundou o Brasil moderno e escancarou uma janela de oportunidade para a construção da Revolução Brasileira, processo este em disputa há mais de 90 anos contra a “contra-revolução preventiva”.

O que nosso povo morreu, sangrou, para construir no século XX não pode ser esquecido. Como Darcy Ribeiro dizia, o Brasil tem um sentido, mas quando não conhecemos nossa história, não é possível compreender tal sentido. Manter o fio da história, é revelar o sentido implícito do Brasil e do povo brasileiro, seu lugar de ser no mundo e na história do desenvolvimento da civilização humana.

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