O movimento dialético da consciência para autoconsciência a partir do desejo, segundo Hegel.

Nelson
4 min readApr 30, 2024

Por: Daniel Albuquerque, 2017.

O filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel, para muitos o maior expoente do movimento conhecido como idealismo alemão, que influenciou gerações de pensadores de diversas áreas, utiliza-se do método dialético, que pressupõe a existência do movimento e debruça-se sobre sua análise, pretendendo com isso explicar a realidade em sua totalidade.

Para tal, parte da concepção de que a realidade é também composta por movimento, e, por isso, não faria sentido analisa-la de outra forma que não a representando como ela é em cada movimento isolado, em sua totalidade e em suas relações, e não apenas como ela aparenta ser em um dado momento.

Ao analisar relações de objetos e o devir, captando-o em sua estrutura e suas contradições, e não apenas um mero recorte deste, como se fria realidade imutável fosse, o filósofo Hegel seguramente marca seu nome na história do pensamento humano com sua análise dos movimentos da “consciência” e do “espírito”, presente em sua Magnum opus, “Fenomenologia do Espírito” (No original “Phänomenologie des Geistes”. Tanto “consciência” quanto “espírito” em Alemão, língua pátria de Hegel, são geralmente representados pela mesma palavra,” Geist”).

Hegel, para explicar como se dá o movimento gerador da autoconsciência, parte da noção do sujeito como uma contraposição dialética do ser com o não ser, em particular e em abstrato, tornando-os indissociáveis em movimento, mas ainda assim não unos, sob o olhar atento do devir. Formando um sujeito, em termos cunhados posteriormente por Jaques Lacan, que é, mas é vazio.

Precisamente por se tratar de um sujeito vazio, paira sobre o desejo uma importância central na construção de sua consciência e posterior autoconsciência, visto que para desejar algo é fundamental que não se tenha aquilo que se deseja, pois é impossível desejar algo que se tem.

O desejo encontra, portanto, campo fértil num sujeito vazio de tudo, e que consequentemente de tudo pode desejar, limitando-se a apenas não desejar aquilo que não pode ser por ele concebido, podendo-se, porém, ainda desejar ter um desejo relativo àquilo que está além da compreensão humana, posto que se possa chegar à conclusão de que existam coisas que não podem ser concebidas, não sendo possível nem sequer imaginar essas em suas particularidades, mas ainda assim, ter um desejo por outro desejo relativo ao inconcebível.

O desejo, para Hegel, similarmente ao que Agostinho observa acerca das vontades, move a consciência do sujeito vazio, o ser-em-si que antes de tudo deseja continuar “sobrevivendo”, e inicialmente tem desejos relativos a isso, como, por exemplo: comer, beber água, dormir e respirar.

O ser-em-si adquire consciência quando pelo seu desejo, geralmente por sobrevivência, o conduz a começar a catalogar e a tentar decifrar a realidade a sua volta, ou seja, quando começa a conhecer a realidade que o rodeia e o agride, primeiramente por meio da percepção e sentidos.

O ser consciente é aquele que conhece. Quando de fato conhece, para além do desejo por sobrevivência, o ser-em-si tem então consciência, que tanto ele, como aquilo que agora conhece, juntos fazem parte da mesma coisa, da realidade e este se torna não mais um ente exógeno, se torna algo que se assemelha com o ser-em-si que o analisa( Por ser outro ser-em-si, podendo ser um ser-para-si , que antes de tudo é/foi um ser-em-si.).

Quando se passa a conhecer e a catalogar a realidade por desejo de conhecer e não mais por desejo de sobreviver, nasce a partir da negação obtida após a contradição, que tem como pano de fundo a negação original do puro desejo primário por sobreviver, da sua percepção inicial sobre um objeto (objeto nesse caso é qualquer ente material, real) da realidade e pelo conhecimento do objeto em si. Com isso se chega, tanto a uma visão mais apurada de como realmente o objeto é de fato, e, além disso, torna-se possível, para o sujeito vazio, aprender sobre si mesmo, naquele recorte do devir, inicialmente ainda catalogando a realidade de forma inábil.

Alguns desejos, que vão além do puro desejo por sobreviver, especificamente o desejo por ser reconhecido, geralmente agem de forma a empurrar a consciência em autoconsciência, alçando o ser-em-si também na esfera do ser-para-si. O desejo por reconhecimento traz consigo embutido o autoconhecimento, enquanto o sujeito, por ser vazio, não consegue se definir, mas quando demanda por reconhecimento invariavelmente tem que questionar sobre si mesmo, além disso, ao ser reconhecido pelo outro, a partir da negação sobre uma autoimagem falha do sujeito vazio sobre ele mesmo em contradição com a imagem do outro sobre ele, tem-se como síntese desse movimento o surgir da autoconsciência, aquela consciência que se reconhece, mostrando-se dependente de outra consciência que conhece e reconhece, para se conhecer.

É importante notar que nessa relação, tanto o ente observador altera o ente objeto, como o ente objeto altera o ente observador. Da oposição travada entre diversas consciências de sujeitos vazios para a realização de seus desejos que se contrapõe, mas principalmente pela mediação dos desejos dessas consciências e da co-dependência entre essas, para se autorreferenciarem enquanto indivíduos e enquanto grupo, nasce de sua negação, a política. Esta vem como uma forma de gerenciar o cumprimento desses desejos abstratos, por meio de conciliação de interesses, e sucessivos movimentos, ao longo do espiral histórico, de teses se contrapondo com antíteses e gerando como resposta materializada na realidade, a síntese.

Fontes:

“Fenomenologia do Espírito” (HEGEL, George Wilhelm Friedrich)
“Ciência da lógica, a doutrina do ser” (HEGEL ,George Wilhelm Friedrich)
“Iniciação à história da filosofia: Dos pré-socráticos a Wittgenstein” (MARCONDES , Danilo)

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